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TERÇA-FEIRA, 10 DE JULHO DE 2018 - Horário 16:44

Futebol tem, intuitivamente, elementos do pensamento lean, dizem especialistas
Negócio / Em tempos de Copa do Mundo, o futebol, um dos esportes mais praticados do planeta, também revela elementos típicos do pensamento lean, filosofia de gestão inspirada no modelo Toyota, que vem sendo adotado por empresas de diversos setores e em todo mundo. São elementos de gestão que foram surgindo naturalmente na evolução desse esporte que atualmente, como acontece em toda Copa, chama a atenção de milhões de pessoas por todos os continentes.

"Como foram surgindo espontaneamente, ou seja, não foram, obviamente, implementados por alguém como conceitos de gestão, esses elementos lean presentes no futebol são evidentemente subutilizados. Assim, poderiam ser melhor potencializados para evoluir a gestão desse esporte em todos os seus níveis", acredita Flávio Picchi, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e presidente do Lean Institute Brasil (www.lean.org.br), entidade sem fins lucrativos de São Paulo que há 20 anos dissemina o modelo de gestão lean nas empresas.

Segundo o especialista, pode-se notar, por exemplo, a ampla utilização no futebol de "ferramentas poka-yoke", expressão japonesa que pode ser traduzida como "à prova de erros" e que, na gestão das empresas, representa métodos ou dispositivos que ajudam as pessoas, num ambiente de trabalho, a evitarem falhas.

É o caso, por exemplo, do atual e já polêmico VAR (sigla em inglês de Video Assistant Referee), conhecido no Brasil como "árbitro de vídeo", um sistema criado pela FIFA para tentar evitar os erros de arbitragem que são tão comuns no futebol.

"Embora esse sistema tenha auxiliado em diversas marcações de pênaltis, gols e cartões, aparentemente não impediu que alguns erros ocorressem. Ou pelo menos não convenceu algumas pessoas de que algumas falhas estão sendo efetivamente coibidas. Isso nos leva ao aprendizado de que tão importante quanto ter um poka-yoke é desenvolver a forma mais correta e precisa de usá-lo", alerta Renato Mariz, mestre em Engenharia pela Unicamp e especialista lean do Lean Institute Brasil (www.lean.org.br).

Outro exemplo de dispositivo poka-yoke é o chip que há dentro da bola que, por exemplo, captura a informação de onde a bola está no campo, informação que é repassada para o relógio do árbitro, outro dispositivo, que também pode computar quem são os jogadores que receberam cartões amarelos ou vermelhos e as substituições dos atletas - informações que podem ajudar o juiz a tomar as melhores decisões.

Outro conceito típico da gestão lean que também é utilizado no futebol é o andon, uma ferramenta de gestão que mostra o estado das operações em uma área e avisa quando ocorre algo de anormal. Por exemplo, o apito do árbitro e a bandeira dos assistentes sinalizam a todos acerca de uma situação anormal (falta, impedimento, reversão etc.) que podem ocorrer durante o jogo.

"A diferença evidente, porém, é que o andon, uma vez utilizado num ambiente de produção, pressupõe a necessidade de resolver o problema alertado, atuando nas causas raízes, para que a mesma falha não ocorra novamente. No futebol, o apito e as bandeiras dos árbitros ainda não conseguem, evidentemente, evitar que erros futuros ocorram", analisa Picchi.

"Tanto isso é verdade que atletas que são alertados por terem provocado faltas voltam a cometê-las diversas vezes numa mesma partida. Caberia, então, ao treinador e à comissão técnica tentar entender o porquê de seus jogadores estarem fazendo muitas faltas ou ficando sempre em impedimento", analisa Mariz.

Outro aspecto muito aparente no futebol é uma série de elementos que suscitam nesse esporte a existência de uma "gestão visual", outra base do sistema lean, que são indicadores que permitem entender a situação real do trabalho por todos os envolvidos.

O mais óbvio deles é a numeração das camisas, que desde 1933 torna possível reconhecer de forma rápida quem são os jogadores e suas respectivas posições dentro do campo. Ou os cartões vermelhos e amarelos, criados na Copa de 70, pois no mundial anterior, em um jogo entre Inglaterra e Argentina, um jogador foi expulso, mas se recusou a sair de campo porque não havia entendido o árbitro alemão.

Ou as famosas bandeirinhas dos árbitros assistentes, que também foram criadas na década de 70 e seguiram a mesma lógica dos cartões, ou seja, facilitar o entendimento dos jogadores e espectadores, com uma sinalização mais visual, para marcações de infrações como impedimento, falta e reversão.

"Ou seja, criou-se uma gestão visual para melhorar a comunicação. Resta analisar se essa gestão visual do futebol poderia ser melhor desenvolvida em alguns pontos, por exemplo, no uso de cartões para efetivamente ajudar, como ocorre num ambiente de produção, a entender o estado atual, visando identificar problemas, resolvê-los, para assim criar um estado futuro mais evoluído", diz Picchi.

E mesmo nas questões táticas que envolvem uma partida é possível identificar elementos da gestão lean. No futebol moderno, um termo conhecido é a "compactação". Ou seja, os jogadores se aproximam e jogam próximos uns dos outros, com o intuito de facilitar o controle da bola e melhorar a marcação, seja no ataque ou na defesa. Para isso, os atletas precisam ser versáteis e ter diversas e múltiplas habilidades, como marcação, passe, desarme, chute, velocidade etc.

"Quem nunca ouviu falar nas expressões "carrossel holandês", "retranca italiana" ou "tiki-taka espanhol"? Esses conceitos táticos aproximam-se dos layouts celulares que são bastante utilizados nos ambientes de manufatura e administrativos, pois justamente têm como intuito melhorar os fluxos de trabalho. E necessitam dessa proximidade física de setores diferentes e funcionários multifuncionais", lembra Mariz.

Para os especialistas, resta saber se os treinadores têm essa consciência acerca de mudanças de layout e sobre como isso poderia ser potencializado para, efetivamente, solidificar um esquema tático por todo o jogo, sem se perder durante uma partida.

Para Picchi e Mariz, um maior conhecimento do pensamento lean por parte das federações, clubes e seleções poderia ajudar a identificar e eliminar causas raízes de problemas organizacionais dentro e fora do campo. "Isso certamente eliminaria diversos desperdícios e agregaria ainda mais valor para os torcedores", acredita Picchi.

Website: http://www.lean.org.br
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