SEGUNDA-FEIRA, 23 DE OUTUBRO DE 2017 - Horário 15:05
Correções de rota à Lei de Recuperação Empresarial
Negócio / Telmo Schoeler (*)
As discussões em torno da atualização, melhoria e correção da Lei 11.101, decorrentes da ineficiência dos processos de Recuperação Empresarial por ela regidos, levam-me à reflexão alguns pontos que décadas no ramo me mostram como imprescindíveis para reverter o cenário, o que faço não com uma visão jurídica, mas sim pelo envolvimento e dedicação às operações e à gestão, ao realismo e viabilidade das ações objetivando a sobrevivência e sucesso deste ser vivo e dinâmico chamado empresa.
O processo de recuperação deveria incluir todos os credores, sem exceção. Na medida em que a lei protege o fisco, alguns credores, portadores de certas garantias etc., pratica-se o tão brasileiramente apreciado "foro privilegiado", o que dispersa e desune interesses quanto à reversão do quadro. Grande exemplo foi a recuperação judicial da GM, nos Estados Unidos, onde grande parte dos débitos, inclusive os tributários, foi convertido em ações, mais adiante revendidas em Bolsa, com lucro (inclusive por parte do governo), a partir da percepção do sucesso da recuperação. A lógica dos atuais processos, de vender ativos para privilegiar apenas alguns credores, é injusta e desagregadora.
Seu foco deve ser a preservação da empresa como ente econômico, em benefício de todos os stakeholders, prioritariamente todos os credores, sendo a última das preocupações com os proprietários e gestores. Se, para que a empresa se recupere – e pague a quem deve, continue suprindo produtos, empregando pessoas, gerando impostos –, é necessário converter créditos em capital, diluindo ou zerando a propriedade atual, que se faça isto. Quando o passivo exigível é maior do que 50% dos ativos, proprietários são minoritários. Se for uma massa falida, suas ações já valem zero.
Credores deveriam exigir e impor um plano de recuperação verdadeiro e real, onde as causas das dificuldades estejam diagnosticadas a partir de uma visão holística de deficiências operacionais, mercadológicas, de recursos (humanos, financeiros e tecnológicos) e de gestão e governança. Só assim o plano incluirá ações corretivas de todas essas dimensões e, apenas por consequência, demonstrará financeiramente a necessidade de eventuais deságio do passivo, carência e prazo de amortização. Credores continuarem a aceitar como "planos" meras simulações planilhadas de números para pleito de deságio e prazo, sem que incluam o ataque às causas dos problemas, é crença em Papai Noel ou esquizofrenia.
A elaboração deste plano deve caber a uma equipe qualificada e experiente em diagnóstico e gestão empresarial, externa e independente. A recuperação sempre decorre de falhas ou deficiências de gestão e governança. É irrealista imaginar que os administradores que erraram, por imprudência, imperícia ou negligência – três fatores que juridicamente imputam culpa – agora se transformarão em arautos das boas técnicas de gestão e governança, do planejamento.
Na mesma linha, a renúncia e troca de diretores e Conselheiros de Administração, caso estes existam, deveria ser compulsória e não facultativa, como é hoje. Gestores e conselheiros, com experiência, capacitação e perfil para cenários de crise, deveriam ser "interinos", ou seja, contratados para a missão de conduzir o processo de recuperação sem visão de carreira, pois esta embute intrinsecamente um posicionamento político, incompatível com o realismo e objetividade requeridos para reversão do quadro.
Todas essas ponderações requerem que os credores se deem conta de que um processo de recuperação exige colaboração, participação e posicionamento proativo, técnico e não emocional dos atuais credores. Só assim, pode contribuir para a recuperação, no seu próprio interesse, o que inclui funcionários, fornecedores, bancos e governo. Só o futuro existe, simples assim!
(*) Telmo Schoeler é presidente da Orchestra Soluções Empresariais.
Website: http://www.orchestrasolucoes.com.br/pt-br/